Esse é um jogo de encontros e desencontros. Um puzzle essencial para a vida. Um arrebatamento que cega os apaixonados, que impulsiona os enamorados e que requer arte para manter viva a chama que a rotina e as atribulações do dia-a-dia se esforçam por apagar. Trata-se de um mistério tão fatal como o mito grego do enigma da esfinge – “decifra--me ou devoro-te” – que destroça quem não o conseguir alcançar e compreender. Ou quem prefira deixar o azar encarregar-se do destino da sua paixão. É que o amor pode perder-se se o descurarmos.
Teresa, de 35 anos, ainda se lembra dos primeiros tempos, quando começou a namorar Paulo, o seu marido. Na altura pensava que não era exactamente paixão o que sentia, pois achava que vivia um amor sereno. Mas hoje, voltando atrás no tempo, recorda-se claramente do sabor apimentado do jogo de sedução, o bater do coração cada vez que os seus olhares se cruzavam, a excitação em lembrar e relembrar cada breve conversa que tinham tido e a vontade que sentiam em estar sempre juntos. “Vivíamos num mundo à parte, só nosso. Estávamos juntos dias inteiros e custava-nos a separação. Tanto que, mal começámos a namorar, fomos logo viver juntos. Ele era o homem com quem tinha sempre sonhado e não tenho dúvidas de que eu também era a mulher que Paulo tinha idealizado para ter ao seu lado”, recorda Teresa.
Curar um mal de amor Uma paixão não correspondida pode despertar o pior que há em nós. E pode durar toda a vida se não fizermos nada. Para a investigadora Helen Fisher, autora do livro Why We Love, o segredo está em tratar o mal como se trata um vício. E recomenda:
l Não lhe telefone ou escreva cartas ou e-mails l Livre-se das cartas e objectos que lembrem a outra pessoa l Não se sente para ouvir música. Mexa-se! l Descubra novos interesses com velhos amigos l Conheça novas pessoas l Mantenha-se ocupada l Pratique exercícios l Apanhe sol |
A paixão deixa-nos num estado similar ao da adição. Foi o que constatou o estudo publicado recentemente no Journal of Neurophysiology liderado pela antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers, de Nova Jersey. A investigação esmiuçou – através de ressonância magnética – os circuitos cerebrais de um grupo de homens e mulheres que estavam perdidamente apaixonados, todos a viver relações recentes. O objectivo era ver quais as áreas do cérebro envolvidas e quais os processos biológicos da paixão.
No início, Fisher e a sua equipa pensavam que este tipo de amor, ao qual chamam amor romântico e que caracteriza a fase de exaltação e mesmo obsessão em que se encontram os apaixonados, era apenas uma emoção. Mas o estudo que realizaram foi capaz de determinar que se trata na realidade de um impulso, um impulso básico de acasalamento, que envolve duas áreas muito primitivas do cérebro, zonas que integram os sistemas de recompensa e motivação. Assim, este amor romântico é um instinto como o maternal ou como o impulso sexual – sendo que a paixão é muito mais poderosa e difícil de controlar do que o impulso sexual.
A paixão é como uma droga. A sua química envolve a dopamina, um estimulante natural. Em níveis elevados, esta substância leva a uma forte motivação, a uma atitude extremamente focalizada e a comportamentos dirigidos a objectivos bem determinados. A dopamina está associada à excitação, assim como a níveis elevados de ansiedade e medo. A cocaína, o álcool, a nicotina e a morfina, por exemplo, são drogas que elevam os níveis de dopamina. “Todas as dependências têm uma infra-estrutura dopaminésica.” E depois, como Helen Fisher indica, no amor romântico há uma baixa da serotonina. “E quando isto se apresenta”, explica o psiquiatra e sexólogo Francisco Allen Gomes, “temos todos aqueles fenómenos característicos: o só estar bem quando se está ao pé da pessoa amada, a perda do apetite e do sono, o emagrecimento, o facto de obsessivamente rememorar todos os passos que deram, guardar tudo.”
No consultório Que motivos levam os portugueses a uma consulta de Sexologia? l Os homens são movidos pelos grandes temas da sexualidade l Os que mais procuram as consultas fazem-no por problemas de ejaculação prematura l A disfunção eréctil é preocupação mais frequente entre os homens mais velhos. Muitas vezes querem contrariar a sexualidade correspondente à sua idade. E contam com bons medicamentos para ajudá-los l A falta de interesse sexual é a terceira fonte de preocupação para os homens l A grande maioria das mulheres busca as consultas de Sexologia por falta de apetência sexual l A dificuldade em alcançar o orgasmo é a segunda preocupação entre aquelas que buscam apoio especializado |
E há uma altura certa para que a paixão aconteça? Para Allen Gomes, que é também autor do livro Paixão, Amor e Sexo (Publicações Dom Quixote), é possível identificar alguns estados psicológicos prévios que podem levar algumas atracções a transformarem-se em paixão. É o caso “dos estados de tédio, aborrecimento, falta de realização e falta de satisfação com o dia-a-dia, num terreno que depois proporciona o aparecimento de fantasias, da idealização de uma relação e da idealização de alguém”. O facto de a pessoa estar a viver o fim de uma relação, de ficar magoada, ferida e, ao mesmo tempo, haver um forte desejo de ter uma relação diferente é outra hipótese apontada pelo especialista como terreno propício ao aparecimento da paixão.
As relações nascem das formas mais variadas. Podem surgir a partir de uma amizade, de um conhecimento ou podem ser o passo seguinte a uma aversão inicial que inclusive afastou inicialmente as duas pessoas. Mas o amor à primeira vista é sem dúvida o que mais encanta os clássicos românticos. Para Francisco Allen Gomes, isto nada mais é do que pura atracção sexual. “Vocês viram uma pessoa, não sabem quem é, nunca falaram com ela, não sabem se é bom, se é mau, se se coaduna ou não, se vale ou não a pena. Entretanto, tiveram a percepção: este é o homem da minha vida. Isso é sexo! É uma atracção física. Depois, a partir deste fenómeno de atracção, pode haver uma continuação e aparecer o estado de paixão.” Mas a escolha do parceiro tem mais a ver com aquilo que vamos construindo à medida que crescemos. É o resultado das nossas experiências pessoais, do que aprendemos com os nossos pais, daquilo que nos marcou ao longo do nosso desenvolvimento, do ambiente que nos envolveu e dos valores que nos foram transmitidos. Enfim, milhões de infinitos aspectos que, reunidos, nos levam a escolher uma pessoa e não outra.
Na realidade, andamos à volta de pessoas como nós e muitos tendem a apaixonar-se por pessoas do mesmo grupo étnico, social, religioso, educacional e económico. É o que sugere Helen Fisher.
E hoje já não buscamos o homem ou a mulher ideal. De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens, o que as pessoas procuram agora é a relação ideal. Um estudo realizado por um chat espanhol de encontros, da Internet, chegou à conclusão de que as pessoas, mais do que de uma paixão, estavam à espera de alguém com quem de facto tivessem uma relação ideal. Alguém com quem pudessem conversar e dialogar. De acordo com os investigadores espanhóis, afinal não são os extremos que se atraem, o que se quer é a alma gémea.
Para Francisco Allen Gomes, encontrar a pessoa ideal na Internet pode ser traiçoeiro. “Enquanto estão no espaço virtual, a pessoa em questão pode ser ideal. Depois, quando chega a altura de passar para o real, pode acontecer como acontece todos os dias, ou seja, a pessoa pensar: ‘Este tipo é fantástico, formidável... eh, pá!, mas não tem química.’ Quantas vezes se diz isso? E vamos ter química logo por aquele que não interessa...”
As mulheres e o sexo A vida sexual da mulher pode dividir-se em três fases: adolescência, idade reprodutora e menopausa. E as alterações da sexualidade são diferentes em cada uma destas fases. É o que explica a ginecologista Maria do Céu Santo. l Estas alterações da sexualidade dividem-se em quatro grupos: desejo, excitação, orgasmo e dor genital l Na adolescência, o desejo, o orgasmo e a dor vaginal podem estar alterados. O desejo, por histórias desagradáveis em relação ao acto de fazer amor; o orgasmo, porque sendo essencialmente por estimulação directa ou indirecta do clítoris, é por vezes difícil a sua estimulação, com penetração, devido à falta de prática; e a dor vaginal, por secura: “A excessiva lavagem contribui para que esta região fique demasiado seca” l Na idade reprodutora, o desejo é o mais afectado. É frequente a mulher afirmar que não lhe apetece l Na menopausa, o orgasmo pode estar alterado, aumentado ou diminuído, dependendo das mulheres. Como há uma atrofia, às vezes a gordura, o tecido adiposo reduz, e as terminações nervosas ficam mais à superfície, o que pode aumentar a intensidade do orgasmo em cerca de 20 por cento das mulheres. Em 80 por cento, como o colagénio e o clitóris atrofiam, têm diminuição do orgasmo e podem sentir dor genital. Hoje em dia, existe a terapêutica hormonal de substituição (estrogénios e tibulona), ou isoflavonas |
Transformar os amigos em paixões seria a situação ideal, na opinião do sexólogo. “Muitas vezes estas relações de amizade, a certa altura, têm componentes eróticas que voluntariamente as pessoas reprimem, com medo de estragar a amizade”, explica Allen Gomes. “Aquelas relações óptimas que às vezes se estabelece, de grande intimidade, cumplicidade e de grande prazer de estar com o outro, se ganham uma componente erótica, podem dar origem a uma grande relação amorosa.” As mulheres conseguem mais facilmente erotizar uma relação de amizade do que os homens. “Provavelmente porque valorizam muito todo o aspecto de comunicação, de intimidade, o acto de conversar, de falar sobre elas, sobre os seus sentimentos e de ouvir falar sobre os sentimentos do outro. E isso, a certa altura, pode criar um estado interno muito rico”, sublinha o especialista.
Na verdade, a química da paixão analisada no estudo de Helen Fisher activa diferentes partes do cérebro do homem e da mulher. No cérebro feminino, as partes mais envolvidas são as relacionadas com as emoções e com a memória. A antropóloga americana encontra explicação no facto de a mulher, desde os primórdios, não só ter dado à luz como ter sido a principal responsável pela sobrevivência dos filhos. Ela e a criança precisavam de protecção e sustento. Assim, o que era conveniente era escolher o parceiro com base na lembrança do que este lhe deu, proporcionou e prometeu no âmbito da segurança e sobrevivência. Nos homens, por sua vez, a actividade principal passa-se nas áreas do cérebro associadas ao estímulo visual e à erecção do pénis. De acordo com Helen Fisher, o homem ancestral precisava assegurar-se de que a mulher era jovem e saudável, capaz de gerar descendentes.
E o estudo mostrou ainda que os homens se apaixonam mais rapidamente do que as mulheres.
Mas o entusiasmo da paixão não dura muito. Nem pode durar. É extremamente desgastante e seria física e intelectualmente insustentável se se prolongasse indefinidamente. “A paixão dura, em média, de 6 meses a 2 anos, se for correspondida. E depois vira amor ou pesadelo. Porque, às vezes, o príncipe por quem nos apaixonámos vira sapo. E vice-versa. O que é preciso é saber fazer a conversão da paixão para o amor”, comenta Maria do Céu Santo, ginecologista, membro da Sociedade Portuguesa de Andrologia.
“Enquanto a temperatura está alta, as diferenças entre os apaixonados são perfeitamente arrasadas”, observa Allen Gomes. “Depois, quando a água começa a assentar, as diferenças começam a aparecer e, com elas, as primeiras desilusões, os primeiros desencantos.” E não é a pessoa que temos na nossa frente que muda, nós é que mudamos quando a tempestade da paixão aplaca. Quantos romances não vemos terminar quando passa o entusiasmo inicial? Basta folhear as revistas do coração para ver. Há mesmo quem não consiga abrir mão da excitação da paixão, saltando de romance em romance enquanto estes são puro êxtase. Estefânia do Mónaco que o diga!
Passar de paixão a amor nem sempre é um acto fácil. “Penso que este é o grande momento. E daí eu dar uma grande ênfase ao sexo. Ao sexo na sua perspectiva rica, como erotismo, como uma coisa elaborada, e não propriamente o sexo que acompanha a paixão, pois todo ele é eminentemente físico, tempestuoso, e não há tempo para o próprio erotismo. Portanto corre o risco de, a uma certa altura, quando começa o arrefecimento emocional, também haver o arrefecimento sexual. E as pessoas começam quase a fazer um luto [da relação] sem de facto terem sabido trabalhar os seus sentimentos de uma maneira mais tranquila, mas não menos emotiva”, explica Allen Gomes. A intimidade sexual aproxima e reforça laços.
Mas na nossa sociedade, o sexo é muitas vezes separado do espírito. E quando se fala de amor, quase se esquece de falar de sexo. “A uma certa altura, até parece que o sexo fica mal no meio de sentimentos tão nobres... Quando lemos os livros sobre o amor e sobre a paixão, vemos muito pouco sexo. Tem muito sentimento, muita análise minuciosa dos sentimentos e acaba por haver pouco sexo. Como se fosse demasiado banal para fazer parte de uma coisa tão rica”, comenta o sexólogo. “Uma das principais causas de divórcio é os casais deixarem de fazer amor”, comenta Maria do Céu Santo. “A relação não é só a parte sexual. O objectivo não é ter relações sexuais, mas sim fazer amor. E muitas vezes o que as pessoas têm são relações sexuais.” Na opinião desta ginecologista com formação em sexualidade, manter a actividade sexual é fundamental para o casamento. E para isso é preciso disponibilidade do casal. Não se deve fazer amor por rotina, ao fim do dia, quando já não se tem força nem para puxar o lençol. “A pessoa tem de seduzir o parceiro. Se existir uma predisposição para a sedução, aumenta o estímulo para fazer amor.”
Maria do Céu Santo aponta o dedo crítico às mulheres: “A culpa não é só delas, mas a sexualidade está muito alterada por causa das mulheres. Enquanto namoram e não coabitam com o parceiro, arranjam-se desde a unha do pé até à ponta do cabelo. A pessoa investe na lingerie e na sedução. Depois, quando passa a coabitar, a mulher vai trabalhar muito bem vestida e arranjada, mas chega a casa e veste a t-shirt que não serve para ir para a rua e dorme com a camisa de noite pouco apropriada. Quem as vê bem arranjadas são os maridos das outras. E os nossos, as outras. Mas muitas vezes as mulheres acomodam-se e acabam por só fazer amor quando a relação com o marido já está a ficar alterada. Mas não podemos esquecer que, actualmente, a maioria das mulheres têm actividade profissional e doméstica, e que supermulheres só existem no cinema.” A especialista reconhece, no entanto, que “hoje as mulheres e os homens estão muito mais preocupados com o prazer das mulheres. Não é como antigamente”.
Mas, se a mulher precisa de se empenhar, o homem também. “Uma coisa é certa: já praticamente não há mulher que finja. Fingir sistematicamente acabou. Tem de apetecer. E isso acontece em todos os níveis sociais. É um grande avanço”, sublinha Allen Gomes. “Tudo a nível do casal é muito mais negociado do que antes. Ou há negociação ou o afastamento.”
A sexualidade, portanto, é um problema do casal. E requer investimento. Pelo caminho haverá obstáculos e desencontros, mas o erotismo, a fantasia, o sexo que ultrapassa o puramente biológico tem um papel nesta história, assim como também os objectivos comuns na cama ou fora dela.
“O sexo parece fácil, mas envolve mil coisas. ‘Pobre sexo: ou não se faz e sofre-se ou faz-se e sofre-se mais ainda’”, comenta Allen Gomes. O sexo, biologicamente, é uma coisa muito simples. Mas a biologia não é tudo. Há aspectos sociais e culturais relevantes. Nada vem de bandeja, requer empenho e trabalho. “Mas seguramente vale a pena.”
O fantasma da normalidade não deve ser para aqui chamado. “A valorização da normalidade sexual deve muito às aspirações de conformidade social. Ou seja, a forma como as pessoas se sentem e vivem a sua sexualidade resulta muito daquilo que julgam encontrar nos outros, de mecanismos de comparação social. O grau de satisfação pessoal, nestas condições, é frequentemente aferido pelas performances ‘sopradas’ por colegas e amigos. Mas também os media, neste particular, forçam mecanismos impiedosos de comparação social, ao confrontarem pessoas com padrões de uma sexualidade ‘saudável’ que se confunde amiúde com autênticos scripts ficcionais... Mas se uma pessoa se basear exclusivamente nas mensagens da comunicação social, chegará à dramática conclusão de que todos, excepto ela própria, têm a pele, o cabelo e os dentes perfeitos. E também uma sexualidade olímpica”, sublinhou o psiquiatra Manuel João Quartilho no capítulo Sexualidade e Construcionismo Social do livro A Sexologia (Quarteto). A preocupação excessiva com a normalidade pode minar uma relação. Ela deve estar nos laços de amor e cumplicidade do casal, e não fora dele.
arte para manter viva a chama que a rotina e as atribulações do dia-a-dia se esforçam por apagar. Trata-se de um mistério tão fatal como o mito grego do enigma da esfinge – “decifra--me ou devoro-te” – que destroça quem não o conseguir alcançar e compreender. Ou quem prefira deixar o azar encarregar-se do destino da sua paixão. É que o amor pode perder-se se o descurarmos.
Teresa, de 35 anos, ainda se lembra dos primeiros tempos, quando começou a namorar Paulo, o seu marido. Na altura pensava que não era exactamente paixão o que sentia, pois achava que vivia um amor sereno. Mas hoje, voltando atrás no tempo, recorda-se claramente do sabor apimentado do jogo de sedução, o bater do coração cada vez que os seus olhares se cruzavam, a excitação em lembrar e relembrar cada breve conversa que tinham tido e a vontade que sentiam em estar sempre juntos. “Vivíamos num mundo à parte, só nosso. Estávamos juntos dias inteiros e custava-nos a separação. Tanto que, mal começámos a namorar, fomos logo viver juntos. Ele era o homem com quem tinha sempre sonhado e não tenho dúvidas de que eu também era a mulher que Paulo tinha idealizado para ter ao seu lado”, recorda Teresa.
Curar um mal de amor Uma paixão não correspondida pode despertar o pior que há em nós. E pode durar toda a vida se não fizermos nada. Para a investigadora Helen Fisher, autora do livro Why We Love, o segredo está em tratar o mal como se trata um vício. E recomenda:
l Não lhe telefone ou escreva cartas ou e-mails l Livre-se das cartas e objectos que lembrem a outra pessoa l Não se sente para ouvir música. Mexa-se! l Descubra novos interesses com velhos amigos l Conheça novas pessoas l Mantenha-se ocupada l Pratique exercícios l Apanhe sol |
A paixão deixa-nos num estado similar ao da adição. Foi o que constatou o estudo publicado recentemente no Journal of Neurophysiology liderado pela antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers, de Nova Jersey. A investigação esmiuçou – através de ressonância magnética – os circuitos cerebrais de um grupo de homens e mulheres que estavam perdidamente apaixonados, todos a viver relações recentes. O objectivo era ver quais as áreas do cérebro envolvidas e quais os processos biológicos da paixão.
No início, Fisher e a sua equipa pensavam que este tipo de amor, ao qual chamam amor romântico e que caracteriza a fase de exaltação e mesmo obsessão em que se encontram os apaixonados, era apenas uma emoção. Mas o estudo que realizaram foi capaz de determinar que se trata na realidade de um impulso, um impulso básico de acasalamento, que envolve duas áreas muito primitivas do cérebro, zonas que integram os sistemas de recompensa e motivação. Assim, este amor romântico é um instinto como o maternal ou como o impulso sexual – sendo que a paixão é muito mais poderosa e difícil de controlar do que o impulso sexual.
A paixão é como uma droga. A sua química envolve a dopamina, um estimulante natural. Em níveis elevados, esta substância leva a uma forte motivação, a uma atitude extremamente focalizada e a comportamentos dirigidos a objectivos bem determinados. A dopamina está associada à excitação, assim como a níveis elevados de ansiedade e medo. A cocaína, o álcool, a nicotina e a morfina, por exemplo, são drogas que elevam os níveis de dopamina. “Todas as dependências têm uma infra-estrutura dopaminésica.” E depois, como Helen Fisher indica, no amor romântico há uma baixa da serotonina. “E quando isto se apresenta”, explica o psiquiatra e sexólogo Francisco Allen Gomes, “temos todos aqueles fenómenos característicos: o só estar bem quando se está ao pé da pessoa amada, a perda do apetite e do sono, o emagrecimento, o facto de obsessivamente rememorar todos os passos que deram, guardar tudo.”
No consultório Que motivos levam os portugueses a uma consulta de Sexologia? l Os homens são movidos pelos grandes temas da sexualidade l Os que mais procuram as consultas fazem-no por problemas de ejaculação prematura l A disfunção eréctil é preocupação mais frequente entre os homens mais velhos. Muitas vezes querem contrariar a sexualidade correspondente à sua idade. E contam com bons medicamentos para ajudá-los l A falta de interesse sexual é a terceira fonte de preocupação para os homens l A grande maioria das mulheres busca as consultas de Sexologia por falta de apetência sexual l A dificuldade em alcançar o orgasmo é a segunda preocupação entre aquelas que buscam apoio especializado |
E há uma altura certa para que a paixão aconteça? Para Allen Gomes, que é também autor do livro Paixão, Amor e Sexo (Publicações Dom Quixote), é possível identificar alguns estados psicológicos prévios que podem levar algumas atracções a transformarem-se em paixão. É o caso “dos estados de tédio, aborrecimento, falta de realização e falta de satisfação com o dia-a-dia, num terreno que depois proporciona o aparecimento de fantasias, da idealização de uma relação e da idealização de alguém”. O facto de a pessoa estar a viver o fim de uma relação, de ficar magoada, ferida e, ao mesmo tempo, haver um forte desejo de ter uma relação diferente é outra hipótese apontada pelo especialista como terreno propício ao aparecimento da paixão.
As relações nascem das formas mais variadas. Podem surgir a partir de uma amizade, de um conhecimento ou podem ser o passo seguinte a uma aversão inicial que inclusive afastou inicialmente as duas pessoas. Mas o amor à primeira vista é sem dúvida o que mais encanta os clássicos românticos. Para Francisco Allen Gomes, isto nada mais é do que pura atracção sexual. “Vocês viram uma pessoa, não sabem quem é, nunca falaram com ela, não sabem se é bom, se é mau, se se coaduna ou não, se vale ou não a pena. Entretanto, tiveram a percepção: este é o homem da minha vida. Isso é sexo! É uma atracção física. Depois, a partir deste fenómeno de atracção, pode haver uma continuação e aparecer o estado de paixão.” Mas a escolha do parceiro tem mais a ver com aquilo que vamos construindo à medida que crescemos. É o resultado das nossas experiências pessoais, do que aprendemos com os nossos pais, daquilo que nos marcou ao longo do nosso desenvolvimento, do ambiente que nos envolveu e dos valores que nos foram transmitidos. Enfim, milhões de infinitos aspectos que, reunidos, nos levam a escolher uma pessoa e não outra.
Na realidade, andamos à volta de pessoas como nós e muitos tendem a apaixonar-se por pessoas do mesmo grupo étnico, social, religioso, educacional e económico. É o que sugere Helen Fisher.
E hoje já não buscamos o homem ou a mulher ideal. De acordo com o sociólogo britânico Anthony Giddens, o que as pessoas procuram agora é a relação ideal. Um estudo realizado por um chat espanhol de encontros, da Internet, chegou à conclusão de que as pessoas, mais do que de uma paixão, estavam à espera de alguém com quem de facto tivessem uma relação ideal. Alguém com quem pudessem conversar e dialogar. De acordo com os investigadores espanhóis, afinal não são os extremos que se atraem, o que se quer é a alma gémea.
Para Francisco Allen Gomes, encontrar a pessoa ideal na Internet pode ser traiçoeiro. “Enquanto estão no espaço virtual, a pessoa em questão pode ser ideal. Depois, quando chega a altura de passar para o real, pode acontecer como acontece todos os dias, ou seja, a pessoa pensar: ‘Este tipo é fantástico, formidável... eh, pá!, mas não tem química.’ Quantas vezes se diz isso? E vamos ter química logo por aquele que não interessa...”
As mulheres e o sexo A vida sexual da mulher pode dividir-se em três fases: adolescência, idade reprodutora e menopausa. E as alterações da sexualidade são diferentes em cada uma destas fases. É o que explica a ginecologista Maria do Céu Santo. l Estas alterações da sexualidade dividem-se em quatro grupos: desejo, excitação, orgasmo e dor genital l Na adolescência, o desejo, o orgasmo e a dor vaginal podem estar alterados. O desejo, por histórias desagradáveis em relação ao acto de fazer amor; o orgasmo, porque sendo essencialmente por estimulação directa ou indirecta do clítoris, é por vezes difícil a sua estimulação, com penetração, devido à falta de prática; e a dor vaginal, por secura: “A excessiva lavagem contribui para que esta região fique demasiado seca” l Na idade reprodutora, o desejo é o mais afectado. É frequente a mulher afirmar que não lhe apetece l Na menopausa, o orgasmo pode estar alterado, aumentado ou diminuído, dependendo das mulheres. Como há uma atrofia, às vezes a gordura, o tecido adiposo reduz, e as terminações nervosas ficam mais à superfície, o que pode aumentar a intensidade do orgasmo em cerca de 20 por cento das mulheres. Em 80 por cento, como o colagénio e o clitóris atrofiam, têm diminuição do orgasmo e podem sentir dor genital. Hoje em dia, existe a terapêutica hormonal de substituição (estrogénios e tibulona), ou isoflavonas |
Transformar os amigos em paixões seria a situação ideal, na opinião do sexólogo. “Muitas vezes estas relações de amizade, a certa altura, têm componentes eróticas que voluntariamente as pessoas reprimem, com medo de estragar a amizade”, explica Allen Gomes. “Aquelas relações óptimas que às vezes se estabelece, de grande intimidade, cumplicidade e de grande prazer de estar com o outro, se ganham uma componente erótica, podem dar origem a uma grande relação amorosa.” As mulheres conseguem mais facilmente erotizar uma relação de amizade do que os homens. “Provavelmente porque valorizam muito todo o aspecto de comunicação, de intimidade, o acto de conversar, de falar sobre elas, sobre os seus sentimentos e de ouvir falar sobre os sentimentos do outro. E isso, a certa altura, pode criar um estado interno muito rico”, sublinha o especialista.
Na verdade, a química da paixão analisada no estudo de Helen Fisher activa diferentes partes do cérebro do homem e da mulher. No cérebro feminino, as partes mais envolvidas são as relacionadas com as emoções e com a memória. A antropóloga americana encontra explicação no facto de a mulher, desde os primórdios, não só ter dado à luz como ter sido a principal responsável pela sobrevivência dos filhos. Ela e a criança precisavam de protecção e sustento. Assim, o que era conveniente era escolher o parceiro com base na lembrança do que este lhe deu, proporcionou e prometeu no âmbito da segurança e sobrevivência. Nos homens, por sua vez, a actividade principal passa-se nas áreas do cérebro associadas ao estímulo visual e à erecção do pénis. De acordo com Helen Fisher, o homem ancestral precisava assegurar-se de que a mulher era jovem e saudável, capaz de gerar descendentes.
E o estudo mostrou ainda que os homens se apaixonam mais rapidamente do que as mulheres.
Mas o entusiasmo da paixão não dura muito. Nem pode durar. É extremamente desgastante e seria física e intelectualmente insustentável se se prolongasse indefinidamente. “A paixão dura, em média, de 6 meses a 2 anos, se for correspondida. E depois vira amor ou pesadelo. Porque, às vezes, o príncipe por quem nos apaixonámos vira sapo. E vice-versa. O que é preciso é saber fazer a conversão da paixão para o amor”, comenta Maria do Céu Santo, ginecologista, membro da Sociedade Portuguesa de Andrologia.
“Enquanto a temperatura está alta, as diferenças entre os apaixonados são perfeitamente arrasadas”, observa Allen Gomes. “Depois, quando a água começa a assentar, as diferenças começam a aparecer e, com elas, as primeiras desilusões, os primeiros desencantos.” E não é a pessoa que temos na nossa frente que muda, nós é que mudamos quando a tempestade da paixão aplaca. Quantos romances não vemos terminar quando passa o entusiasmo inicial? Basta folhear as revistas do coração para ver. Há mesmo quem não consiga abrir mão da excitação da paixão, saltando de romance em romance enquanto estes são puro êxtase. Estefânia do Mónaco que o diga!
Passar de paixão a amor nem sempre é um acto fácil. “Penso que este é o grande momento. E daí eu dar uma grande ênfase ao sexo. Ao sexo na sua perspectiva rica, como erotismo, como uma coisa elaborada, e não propriamente o sexo que acompanha a paixão, pois todo ele é eminentemente físico, tempestuoso, e não há tempo para o próprio erotismo. Portanto corre o risco de, a uma certa altura, quando começa o arrefecimento emocional, também haver o arrefecimento sexual. E as pessoas começam quase a fazer um luto [da relação] sem de facto terem sabido trabalhar os seus sentimentos de uma maneira mais tranquila, mas não menos emotiva”, explica Allen Gomes. A intimidade sexual aproxima e reforça laços.
Mas na nossa sociedade, o sexo é muitas vezes separado do espírito. E quando se fala de amor, quase se esquece de falar de sexo. “A uma certa altura, até parece que o sexo fica mal no meio de sentimentos tão nobres... Quando lemos os livros sobre o amor e sobre a paixão, vemos muito pouco sexo. Tem muito sentimento, muita análise minuciosa dos sentimentos e acaba por haver pouco sexo. Como se fosse demasiado banal para fazer parte de uma coisa tão rica”, comenta o sexólogo. “Uma das principais causas de divórcio é os casais deixarem de fazer amor”, comenta Maria do Céu Santo. “A relação não é só a parte sexual. O objectivo não é ter relações sexuais, mas sim fazer amor. E muitas vezes o que as pessoas têm são relações sexuais.” Na opinião desta ginecologista com formação em sexualidade, manter a actividade sexual é fundamental para o casamento. E para isso é preciso disponibilidade do casal. Não se deve fazer amor por rotina, ao fim do dia, quando já não se tem força nem para puxar o lençol. “A pessoa tem de seduzir o parceiro. Se existir uma predisposição para a sedução, aumenta o estímulo para fazer amor.”
Maria do Céu Santo aponta o dedo crítico às mulheres: “A culpa não é só delas, mas a sexualidade está muito alterada por causa das mulheres. Enquanto namoram e não coabitam com o parceiro, arranjam-se desde a unha do pé até à ponta do cabelo. A pessoa investe na lingerie e na sedução. Depois, quando passa a coabitar, a mulher vai trabalhar muito bem vestida e arranjada, mas chega a casa e veste a t-shirt que não serve para ir para a rua e dorme com a camisa de noite pouco apropriada. Quem as vê bem arranjadas são os maridos das outras. E os nossos, as outras. Mas muitas vezes as mulheres acomodam-se e acabam por só fazer amor quando a relação com o marido já está a ficar alterada. Mas não podemos esquecer que, actualmente, a maioria das mulheres têm actividade profissional e doméstica, e que supermulheres só existem no cinema.” A especialista reconhece, no entanto, que “hoje as mulheres e os homens estão muito mais preocupados com o prazer das mulheres. Não é como antigamente”.
Mas, se a mulher precisa de se empenhar, o homem também. “Uma coisa é certa: já praticamente não há mulher que finja. Fingir sistematicamente acabou. Tem de apetecer. E isso acontece em todos os níveis sociais. É um grande avanço”, sublinha Allen Gomes. “Tudo a nível do casal é muito mais negociado do que antes. Ou há negociação ou o afastamento.”
A sexualidade, portanto, é um problema do casal. E requer investimento. Pelo caminho haverá obstáculos e desencontros, mas o erotismo, a fantasia, o sexo que ultrapassa o puramente biológico tem um papel nesta história, assim como também os objectivos comuns na cama ou fora dela.
“O sexo parece fácil, mas envolve mil coisas. ‘Pobre sexo: ou não se faz e sofre-se ou faz-se e sofre-se mais ainda’”, comenta Allen Gomes. O sexo, biologicamente, é uma coisa muito simples. Mas a biologia não é tudo. Há aspectos sociais e culturais relevantes. Nada vem de bandeja, requer empenho e trabalho. “Mas seguramente vale a pena.”
O fantasma da normalidade não deve ser para aqui chamado. “A valorização da normalidade sexual deve muito às aspirações de conformidade social. Ou seja, a forma como as pessoas se sentem e vivem a sua sexualidade resulta muito daquilo que julgam encontrar nos outros, de mecanismos de comparação social. O grau de satisfação pessoal, nestas condições, é frequentemente aferido pelas performances ‘sopradas’ por colegas e amigos. Mas também os media, neste particular, forçam mecanismos impiedosos de comparação social, ao confrontarem pessoas com padrões de uma sexualidade ‘saudável’ que se confunde amiúde com autênticos scripts ficcionais... Mas se uma pessoa se basear exclusivamente nas mensagens da comunicação social, chegará à dramática conclusão de que todos, excepto ela própria, têm a pele, o cabelo e os dentes perfeitos. E também uma sexualidade olímpica”, sublinhou o psiquiatra Manuel João Quartilho no capítulo Sexualidade e Construcionismo Social do livro A Sexologia (Quarteto). A preocupação excessiva com a normalidade pode minar uma relação. Ela deve estar nos laços de amor e cumplicidade do casal, e não fora dele.